Com toda delicadeza do olhar ele
via a chuva cair. Já passava das 15:30, parado na janela do segundo andar, olhava
a cidade que era imersa pela chuva, em um tom cinza e solitária era pintada. O apartamento
estava frio e quieto, no som uma música que lhe era tão familiar, mas
parecia-lhe tão distante. A janela era a tela que projetava o filme triste da própria
vida. Era impossível desvencilhar os pensamentos do roteiro mórbido e trágico. Frustrava
o desejo de esquecer, esquecer que outrora vivera que seus fracassos tinham-no
trazido até esse momento, até a essa cidade que se orgulhava em ser-lhe
estranha. Angústia e solidão misturadas com as lágrimas de um homem só e
fracassado o invadia com tanta força que teve medo. Ficou ali parado, debruçado
a janela o restante da tarde, de súbito teve desejos, de pular, de fumar, de
sair desvairado na chuva, porém manteve-se de pé. Era preciso ficar, não sabia por
que, e a única maneira de saber era vivendo. Do outro lado da tela, pessoas passavam
cada uma com sua pressa, com seus pensamentos e desejos, os quais nunca ninguém
virá saber. E esse vai e vem trouxe-o ao ínfimo de vida que ainda lhe restara. Nas
lembranças uma leve saudade trágica do que havia deixado para trás. A possibilidade
ter tido filhos, de ter firmado com aquele rapaz que tantas noites mal dormidas.
Ou simplesmente de ter ido morar no Rio, ou nunca ter saído da aldeia. O apartamento
continuava vazio, mas era impossível que não estivesse ou que por algum acaso
viesse a ser habitado por outros. Nunca teve muitos amigos, não que não os desejassem,
mas definitivamente não tinha vocação para as pessoas. As pessoas lhe cansavam
e lhe custava muito as tolerar, todas as pessoas estavam preocupadas em ser aquilo
que elas jamais seriam, e isso era tão vulgar. O crepúsculo se anunciava, não
havia mais lugar para a tristeza crepuscular, não, era impossível mais
tristeza... chorar? O que haveria nas lágrimas que já não estivessem naquele
apartamento que agora era de uma estranheza impossível de explicar, tudo
parecia derreter-se, tornar-se chuva, escorrer pelos ralos, os livros desciam
das prateleiras como bicas de água, contorcia-se de dor, pois os livros era a única
riqueza que se orgulhava de ter. Não! Como seria possível? Agora com olhos
voltados para dentro de si podia vê os quadros derreter-se nas paredes de suas
entranhas, eram parte de um corpo metafisico que não lhe pertencia e que nunca
lhe pertencera, de súbito caiu no chão frio da sala. Ainda estava em seu
apartamento? Aquela dúvida lhe corroera, teve medo de abrir os olhos, já não
havia mais música, era tomado por um silêncio frio, contorceu mais uma vez,
recusava a ideia de ainda existir. Ao abrir olhos ele deparou-se consigo mesmo.
O apartamento estava como sempre esteve, e aquilo era a fotografia do que ele
se tornara. E em que?
João
*Sem correção ortográfica
**Imaagem Livre de internet